Muito antes de definir as duas estratégias centrais do Instituto ACP – o investimento direto em organizações da sociedade civil (OSCs) referência em suas áreas de atuação e apoio a iniciativas de escala, que possam fortalecer e beneficiar o conjunto das OSCs -, Antonio Carlos Pipponzi, com o desejo de deixar um legado, reúne a família para que possam investigar suas vocações filantrópicas e aprender conjuntamente sobre a atuação da sociedade civil organizada.
Durante cerca de um ano, filhos e sobrinhos tiveram a oportunidade de entender de perto o funcionamento do terceiro setor a partir de doações e acompanhamento de organizações do campo. Os aprendizados reunidos a partir dessa experiência, bem como outras vivências e trajetórias, somadas a inúmeros alinhamentos e planejamentos, deu origem ao instituto familiar em 2019, que atua a partir de apoio para o desenvolvimento e fortalecimento institucional a organizações da sociedade civil que atuam em diferentes agendas e iniciativas que contribuem para fortalecer o próprio campo e pautar esta agenda.
Confira como é a implementação e as estratégias de grantmaking adotadas pelo Instituto ACP. O material foi elaborado a partir de conversas com Erika Sanchez Saez, diretora executiva do IACP, e Rodrigo Pipponzi, fundador doador do IACP e presidente do Conselho.
CRIAÇÃO
Um pouco da história: falar sobre o Instituto ACP é falar sobre uma expertise familiar que foi canalizada em um instituto familiar.
Criado oficialmente em 2019, o Instituto ACP, que traz o nome de Antonio Carlos Pipponzi, foi criado pela segunda geração de uma família empresária. Antes de reunir a atuação social da família em um mesmo escopo, vivenciaram um período de reflexão e dedicação para compreender as vocações filantrópicas e quais caminhos poderiam seguir no ecossistema da filantropia brasileira.
O filho mais velho de Antonio Carlos, Rodrigo Wright Pipponzi, enquanto empreendedor, fundou a Editora Mol, um negócio de impacto social cuja renda das publicações se transforma em doações a OSCs, o que o permitiu transitar e discutir diariamente esse ambiente da sociedade civil.
A mudança de posição de Antonio Carlos – de presidente da empresa para presidente do Conselho – possibilitou que passasse a pensar em novas maneiras de colaborar com o desenvolvimento do país. Além disso, a trajetória profissional de Rodrigo influenciou que o pai olhasse com mais profundidade para o tema da doação e para a importância da atuação das organizações da sociedade civil.
Com o desejo de deixar um legado, Antonio Carlos Pipponzi convida seus filhos e sobrinhos a pensarem sobre a criação de um instituto familiar. Durante um ano de aprendizado conjunto, com apoio de uma consultoria, conhecem mais do terceiro setor por meio do acompanhamento de doações experimentais para OSCs escolhidas pelos membros da família por serem atuantes em causas que faziam sentido para cada um.
Com o fim da experiência, a família decide criar o Instituto ACP para centralizar todo o processo de filantropia e investimento social privado.
Trajetória familiar e potencial de mudança
A trajetória empreendedora da família Pipponzi e o processo de investimento em organizações da sociedade civil deu pistas de um possível nicho de atuação e foco a ser escolhido para o novo Instituto. Durante a vivência de investimento nas OSCs, foi possível identificar desafios estruturais e institucionais comuns a grande parte das organizações, desde dificuldades de pagar contas no dia a dia, atrair e reter talentos até ampliar seu conhecimento técnico para gestão.
A experiência de Rodrigo na Editora Mol também ajudou a direcionar a escolha da causa de atuação do IACP, já que o empreendedor notava desafios semelhantes em todas as organizações apoiadas pela Mol. A importância do que chama de “verba não carimbada”, isto é, que não é destinada a um projeto específico e pode ser usada da forma que a organização identificar como fundamental para sua atuação, começou a chamar sua atenção durante sua experiência na Editora Mol.
Ao mesmo tempo, a família identifica um desejo grande de não apenas doar, mas participar das parcerias e contribuir com as organizações para além do investimento financeiro. Entende, também, que a sua contribuição potencial é maior em temas relacionados ao desenvolvimento da gestão e governança das organizações.
Percebendo que essa é uma demanda não atendida das OSCs e que esse posicionamento seria inovador e estratégico no campo da filantropia brasileira, define-se o foco do Instituto ACP, criado formalmente em 18 de abril de 2019.
O Instituto ACP é, então, criado com o propósito de contribuir para o fortalecimento institucional das organizações da sociedade civil brasileira para que sejam vetores de desenvolvimento do país.
Por que ser doador?
Segundo o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, existem hoje, no Brasil, 815.676 OSCs. Nesse universo, há muitas iniciativas com impacto comprovado, mas que carecem de recursos de financeiros ou que poderiam alcançar melhores resultados se não existissem tantas sobreposições de ações ou se o setor atuasse ainda mais em colaboração, algo que avançou, mas que precisa ser ainda mais fortalecido.
Um ponto crucial nesse contexto, que vem sendo debatido nos últimos anos por organizações do campo, como o GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), é a importância do fortalecimento institucional das organizações da sociedade civil e o reconhecimento de que a filantropia brasileira ainda é muito executora de projetos próprios.
Atenta a esse cenário, a equipe decide que o IACP seria uma organização grantmaker, isto é, majoritariamente doadora de recursos. Dessa forma, pode não apenas incentivar que outras instituições façam a mesma escolha, mas também potencializar organizações apoiadas com possibilidade de incentivar outros movimentos, coletivos, grupos e frentes em seus respectivos territórios e causas, além de promover mais escalabilidade, um dos critérios de seleção de organizações do IACP.
Além disso, o Instituto também desenvolveu, a partir desse perfil escolhido, uma estratégia de atuação que combina as aspirações dos membros com as reflexões que estão sendo feitas no campo da filantropia brasileira. Trata-se, portanto, de um jeito de fazer que coloca como prioridade os desafios e questões que estão sendo debatidos no setor e a interação constante entre quem doa e quem recebe.
PRÁTICAS
Para desenvolver o seu trabalho, o Instituto ACP aposta em duas estratégias centrais.
Na linha estratégica correspondente ao investimento direto, o IACP apoia planos de desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil que são referência em suas áreas de atuação. São exemplos de iniciativas apoiadas: projetos de planejamento estratégico e tático; fortalecimento de governança; avaliação; desenvolvimento de capacidades para mobilização de recursos e parcerias; maior eficiência administrativa e de gestão; desenvolvimento de lideranças e times; comunicação e inovação; dentre outros.
Já a estratégia de investimento em escala do IACP tem como premissa a importância da atuação em rede, do apoio e fortalecimento da infraestrutura do campo e da possibilidade de viabilizar boas iniciativas que contribuem com o fortalecimento do conjunto de organizações da sociedade civil por todo o Brasil. A frente de atuação envolve doação para iniciativas como estudos, pesquisas e eventos, e organizações de infraestrutura do campo, bem como a produção e disseminação de conhecimento para o desenvolvimento organizacional e a promoção de serviços e negócios focados em demandas de desenvolvimento institucional das OSCs.
Ciclo de seleção
Por se tratar de uma organização grantmaker com uma equipe reduzida, a seleção das organizações que podem apresentar projetos para apoio na linha estratégia de investimento direto são contatadas via carta convite.
O Instituto ACP convida que cada organização apresente seu plano de desenvolvimento institucional, as prioridades do plano, incluindo a forma como o IACP poderia apoiar e os recursos necessários. Há, inclusive, à disposição das OSCs, horas de consultoria de uma profissional que apoia as organizações com reflexões para elaboração do plano que será apresentado para financiamento.
Depois da apresentação do plano a uma banca com pessoas do time executivo e do Conselho do Instituto, o grupo define quais organizações serão apoiadas.
São utilizados seis critérios para selecionar as iniciativas: tenham um histórico de realizações; sejam referências na sua área de atuação; possuam perfil colaborativo, flexível e aberto para relações de parceria e trocas constantes; apresentem desafios ou oportunidades estratégicos e latentes para o seu desenvolvimento institucional; demonstrem ter bons planos para superá-los; tenham lideranças inspiradoras, que sejam porta-vozes da sua causa de atuação, comprometidas e que demonstrem capacidade de realização.
Caso o valor solicitado seja maior do que o disponível, a proposta é readequada em conjunto com a organização. A direção executiva comunica o resultado da seleção individualmente a cada OSC candidata.
Após a seleção, o Instituto envia uma carta de boas-vindas a cada organização selecionada e realiza uma primeira reunião de trabalho – um kick-off – em que se alinha expectativas com a revisão do plano de apoio.
Valores e princípios
Confiança e transparência, diálogo e empatia, compromisso, aprendizagem mútua e desburocratização. O conjunto de cinco valores e princípios não só orientam a relação com as organizações apoiadas, mas toda a forma de fazer do Instituto ACP.
Na frente de apoio direto, por exemplo, no estabelecimento das parcerias com as OSCs, o IACP optou por fazer contratos de doação livre, uma vez que esse formato desobriga a apresentação de notas fiscais que comprovam a destinação dos recursos recebidos caso fosse um contrato de doação com encargos.
Cada organização deve apresentar um projeto necessariamente focado em desenvolvimento institucional. Em um acordo verbal com o IACP, as OSCs comprometem-se a destinar os recursos àquele fim. Esse processo mostra que os princípios adotados pelo Instituto conversam entre si: para que essa desburocratização seja possível, é necessário confiança no acordo verbal entre as duas partes.
O IACP também trabalha com flexibilidade e abertura no trato com as organizações. Em quase 100% das organizações apoiadas, há processos de revisão do plano aprovado inicialmente, que perde sentido à medida que sua implementação avança.
O diálogo e empatia também marcam forte presença desde o momento do acordo com as organizações: na primeira reunião com o IACP, cada participante conta, de forma detalhada, sua trajetória de vida e o que lhe levou até aquele lugar. Isso ajuda a criar conexões e empatia.
A prestação de contas também é diferente: são em formato de reuniões nos quais o IACP prioriza ouvir sobre os aprendizados, desafios e soluções encontradas para superá-los e as realizações positivas das organizações apoiadas.
Além dessas, outras escolhas refletem a implementação dos princípios no dia a dia da instituição, como a realização de apoios com duração mínima de três anos, o que demonstra uma relação de compromisso e confiança do IACP para com as organizações apoiadas.
Fortalecimento das OSCs: muito além do financeiro
Além do repasse financeiro que deve ser destinado ao projeto de desenvolvimento e fortalecimento institucional das organizações da sociedade civil, o Instituto ACP também promove outros tipos de apoios durante o ciclo de relacionamento com as OSCs, uma vez que sua estratégia está baseada em quatro pilares:
– capital financeiro (doação de recursos financeiros para projetos de desenvolvimento organizacional);
– capital intelectual (ampliação de conhecimento e troca entre pares);
– capital social (colaboração na articulação e pontes);
– capital humano (fortalecer equipes e lideranças por meio de mentorias, coaching e assessoria em gestão de pessoas).
Apesar da oferta de múltiplos apoios, o Instituto ACP trabalha com a premissa de que todas as escolhas pertencem às organizações. Ou seja, a equipe institucional faz sugestões, mas nenhuma delas é obrigatória.
Entras as iniciativas oferecidas está, por exemplo, o coaching para as lideranças, no qual o profissional que oferecerá as formações pode ser indicado pelo Instituto ou escolhido pela própria organização.
Outras oportunidades às quais as organizações têm acesso na frente de capital humano são as mentorias técnicas para aspectos mais específicos, como briefing para avaliação de impacto, assessoria para gestão de pessoas e uma conversa anual com o presidente do IACP, Antonio Carlos Pipponzi.
Uma prática que tem sido disseminada no campo do investimento social privado, as Comunidades de Aprendizagens, também é desenvolvida pelo Instituto ACP, mas ganhou novos contornos. Em um espaço de apoio mútuo, os membros das instituições beneficiadas podem compartilhar conhecimentos e experiências entre si e com organizações parceiras.
A Comunidade de Aprendizagem pode ser vivenciada pelos participantes em três modelos: em dois encontros gerais anuais; em encontros dos Grupos de Afinidade, nos quais os participantes dividem-se em pequenos grupos com temáticas específicas para compartilhar suas trajetórias; e, por fim, nos encontros com especialistas, mapeados e convidados a partir dos principais interesses das organizações.
O formato tem dado tão certo que, em 2023, o Instituto tem planos de levar a Comunidade a um novo patamar com a criação de um podcast.
Por fim, o IACP busca também, ao longo de todo o processo de apoio, promover conexão direta das OSCs com potenciais investidores e indicação de fornecedores às organizações parceiras, a partir de suas demandas e necessidades para o fortalecimento institucional.
APRENDIZADOS
Desde sua criação oficial em 2019, o Instituto ACP tem acumulado conhecimento, práticas e novos aprendizados diante dos desafios enfrentados no dia a dia, no diálogo e na articulação com as organizações da sociedade civil apoiadas.
Os ensinamentos se dão em múltiplas frentes, desde a decisão sobre qual seria o modelo de governança mais adequado que conversasse com a missão e os propósitos do Instituto, a própria causa de atuação do IACP e adequação de expectativas quanto aos resultados dos apoios, até a seleção das parcerias e realização dos processos cotidianos. Confira a seguir alguns destes aprendizados:
– Construção de um modelo de governança
Definida a missão e a área de atuação do Instituto, um desafio relevante foi o formato de governança. Há obrigatoriedade de envolver todos os membros da família no Instituto, mesmo aqueles que não têm interesse em fazê-lo? Com o tempo, a equipe, principalmente Rodrigo Pipponzi, entendeu que essa participação deveria ser exercida por aqueles que desejassem.
– Trabalhar em família
Unir pais e filhos em um mesmo propósito – seja um negócio ou um instituto familiar – pode ser desafiador. Paciência, humildade e disposição em aprender e construir coletivamente são aprendizados que a família Pipponzi acredita que tem construído e vivenciado nesta experiência.
– Processos de desenvolvimento institucional não têm fim
Em alguns casos, é possível notar, depois de três anos de apoio do IACP, diferenças nítidas e grandes transformações nas organizações. Entretanto, não observar resultados espetaculares não significa que não houve desenvolvimento, pois processos de desenvolvimento institucional são perenes e para sempre, isto é, será necessário que a organização se comprometa constantemente com essa forma de fazer e invista no processo, independentemente do seu tempo de existência. Além disso, é importante considerar que cada organização está em um ponto da caminhada e tem um grau de maturidade diferente em relação às dimensões de desenvolvimento institucional. Assim, cada uma avança em uma velocidade diferente, a partir das suas possibilidades e capacidades naquele momento.
– Seleção das organizações
Atualmente, a seleção das organizações que poderão inscrever projetos para apoio é feita a partir de carta convite. O desafio do IACP é chegar a um modelo mais democrático e aberto de inscrição de projetos em um número que possa ser analisado pela pequena equipe do Instituto.
– Processos padrão, mas com flexibilidade
É possível ter processos padrão, mas é necessário ter muita flexibilidade no trato entre uma organização e outra. Isso porque cada organização é diferente, uma vez que são formadas por pessoas, com trajetórias, experiências, visões e conhecimentos distintos. Nesse sentido, é necessário algum nível de customização nas relações.
*Este texto foi produzido com a colaboração de Rodrigo Pipponzi e Erika Sanchez Saez. Foto de Mariana Brunini.