Estratégias de grantmaking: o caso do Instituto Localiza

 25 de outubro de 2023 
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Lançado em setembro de 2021, o Instituto Localiza tem como propósito unir pessoas pela transformação social, e faz isso majoritariamente a partir do apoio a organizações da sociedade civil (OSCs) que atuam com a capacitação técnica e inclusão produtiva de jovens em locais de vulnerabilidade social de qualquer região do país. 

O presente material conta como o Instituto foi gestado em meio à pandemia de Covid-19, as decisões tomadas diante do cenário de emergência sanitária no país, o caminho percorrido para a escolha das áreas de atuação e os aprendizados nesses dois anos de existência. 

 

CRIAÇÃO

 

O Instituto Localiza é fruto da convergência de dois fatos: o desejo dos fundadores da Localiza&Co em deixar um legado social além do negócio – em uma crença de que uma empresa de grande porte deve avançar e promover contribuições para com as questões sociais mais importantes e urgentes do país –, somado ao processo de fortalecimento do ESG (do inglês, Environmental, Social and Governance) enquanto pauta estratégica, incluindo o pilar social, que trata do desenvolvimento das pessoas. 

Apesar da ideia ter sido gestada desde 2019, foi somente em setembro de 2021 que o Instituto foi lançado. Isso porque tomou-se a decisão de manter as ações emergenciais em razão da pandemia de Covid-19 sob comando da Localiza enquanto empresa, conferindo, portanto, um tempo de maturação, pesquisa e planejamento ao Instituto.

 

Aprofundando o conceito de investimento social privado 

Um dos principais processos preparatórios para a criação e estruturação do Instituto foi a compreensão mais profunda sobre o conceito e a cultura de investimento social privado (ISP), tanto para o conselho, como para a diretoria do Instituto e da própria Localiza. 

No estudo sobre os pilares do ISP, compreendeu-se que ele se volta para fora, ou seja, dispõe-se a contribuir com comunidades externas à companhia. A importância do alinhamento da atuação do Instituto com o negócio também foi abordada como uma estratégia que ajuda na criação de um ciclo virtuoso, por contar com o envolvimento da mantenedora no processo. 

A pesquisa de campo foi o passo seguinte, considerando que a atuação se voltaria às necessidades observadas no âmbito social brasileiro. A organização passa, então, a trabalhar com uma rede de escuta externa, a partir de um mapeamento das principais lideranças sociais de todas as regiões do país, com o objetivo de entender melhor os desafios mais emergentes enfrentados em seus territórios e organizações. 

Nessa pesquisa, o primeiro ponto que se destacou na fala das lideranças sociais foi a situação das juventudes, que, naquele momento, vivia a educação no modelo de ensino virtual em razão das escolas fechadas por conta da pandemia de Covid-19, um modelo nem sempre efetivo, considerando, principalmente, jovens em situação de vulnerabilidade. 

A capacitação técnica surge como um formato de educação complementar no sentido de contribuir para que os(as) jovens pudessem trilhar novos caminhos. Depois de consultar pesquisas e estudos públicos e organizações de referência sobre a situação do(a) jovem brasileiro(a), bem como entender as atividades vinculadas ao ecossistema da mobilidade, o Instituto compreendeu que apenas capacitá-los(as) não seria o suficiente. Por isso, traz ao seu escopo a inclusão produtiva.

 

Apoiar o jovem no que ele quiser 

Um dos princípios que norteou o desenho do modelo de atuação do Localiza foi apoiar o(a) jovem em seus desejos e vontades, que, atualmente, estão muito conectados à indústria criativa. Nesse sentido, o Instituto Localiza apoia organizações que trabalham tecnologia, turismo, gastronomia, empreendedorismo, audiovisual e outros temas com as juventudes, sempre considerando seus principais interesses, e não necessariamente o que outras pessoas esperam do(a) jovem. 

O foco no mundo da capacitação e educação converge com a crença que a educação muda a vida das pessoas, enquanto ter um perfil empreendedor pode transformar a situação econômica de cada um(a). 

 

Centralidade do grantmaking 

Apoiar e fortalecer o trabalho de organizações da sociedade civil (OSCs) é o foco do Instituto Localiza, por algumas razões:

  1. Crença na força do terceiro setor brasileiro na construção de um mundo melhor para todos; 
  2. Reconhecimento da legitimidade das organizações da sociedade civil em seus territórios para compreender com mais profundidade os desafios da localidade, saber interpretar seus dados e informações, conhecer as pessoas e atuar com agilidade perante o público atendido; 
  3. Convicção na importância de trabalhar e fortalecer aqueles que já estão atuando nos territórios para alcançar os melhores resultados; 
  4. Enquanto Instituto empresarial, o Localiza compreendeu que não faria sentido criar uma estrutura que conseguisse ser capilar e estar em diferentes locais e regiões do Brasil. Seria um investimento muito alto com a montagem dessa estrutura e de uma equipe com competências, que não traria a mesma transformação que o grantmaking

 

PRÁTICAS

 

Importância do coletivo e de processos de escuta 

O Instituto Localiza conta com algumas crenças que direcionam todo o escopo da sua atuação: acredita no poder criativo dos(as) jovens, nos olhares diversos que fazem chegar mais longe, nos processos coletivos que provocam transformações e no futuro.

Tudo isso se desdobra em diferentes frentes. O Instituto entende que é um participante dentro de um grande coletivo e, por isso, atua, prioritária e majoritariamente, com processos centrados na coletividade, colaboração e escuta. 

Isso se aplica tanto no relacionamento com as organizações apoiadas, como no fomento para que essas organizações possam desenvolver processos de escuta com os(as) jovens atendidos(as) em seus projetos e programas. Tudo isso parte da compreensão de que o(a) jovem é o(a) protagonista das ações e que são eles(as) que poderão apoiar na busca por soluções e apontar os melhores caminhos de apoio.

 

Modelo de seleção 

O Instituto Localiza entende que, por ser uma organização ainda recente e ter o desafio de atuar nos territórios de maior vulnerabilidade juvenil, a melhor forma de se apresentar às organizações e de poder selecionar projetos para parceria é via edital público.

A seleção destina-se exclusivamente a organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos, formalmente constituídas, que desenvolvam projetos e ações vinculados à indústria criativa e com foco na capacitação técnica e inclusão produtiva de jovens.

Além disso, também são priorizadas as ações desenvolvidas nos estados onde há maior taxa de desocupação juvenil e indicadores mais elevados de violência nessa faixa etária, inclusive com maior taxa de homicídio. O objetivo é priorizar a atuação em locais de maior vulnerabilidade. 

O Instituto também busca valorizar os projetos que trabalham com grupos sub-representados, que também estão em maior situação de vulnerabilidade social.

 

Periodicidade do edital 

O Instituto Localiza optou por realizar editais bienais. Em 2021, junto com o lançamento do Instituto, o primeiro edital recebeu 444 inscrições, das quais foram selecionadas 24 iniciativas. 

Em 2022, além de repactuar com algumas iniciativas a possibilidade de continuidade na parceria, para que seguissem contribuindo no desenvolvimento e transformação dos(as) jovens nos territórios, a organização compreendeu que havia um banco de projetos que não foram apoiados no ano anterior. Assim, opta por fazer uma nova rodada de apoios, com 23 novos projetos. 

O próximo edital está previsto para o segundo semestre de 2023. 

 

Chegar onde ninguém chega 

O primeiro edital do Instituto Localiza, lançado junto ao anúncio da sua criação, teve como premissa selecionar organizações de todos os portes, desde aquelas com projetos experimentais, que nunca haviam sido apoiadas anteriormente, até as mais estruturadas. 

Isso porque, ainda na etapa de escuta das lideranças sociais, o Instituto ouviu muito sobre a importância de “chegar onde ninguém chega”. Trata-se, então, de responder à dificuldade que organizações menores, que atuam em uma região ou situação de alta vulnerabilidade, enfrentam na hora de conseguir financiamento, ao contrário de instituições já consolidadas, com processos de gestão mais robustos. 

 

Processo de seleção 

O processo de seleção do edital segue o formato:

  1. Na primeira etapa, verifica-se se os inscritos cumprem questões formais de documentação; 
  2. Os selecionados seguem para a análise dos requisitos do edital. Nessa etapa, são utilizados critérios como: relevância e reconhecimento da organização no território em questão; se atua em localidades mapeadas pelo Instituto como prioritárias; proposta coerente com o desafio apontado na fase de inscrição; avaliação da estratégia de mobilização do público beneficiário; estratégias para dialogar com questões de vulnerabilidade socioeconômica e grupos sub-representados. 

As duas primeiras etapas são conduzidas por uma consultoria externa, formada por profissionais com experiência nos temas: educação, jovens e empreendedorismo, de forma a garantir que a seleção inicial seja feita sem interferência do Instituto Localiza. As etapas seguintes contam com envolvimento do Instituto. 

  1. Análise de compliance, realizada pela consultoria externa em parceria com a equipe do Instituto Localiza, e organização dos projetos em um ranking de pontuação, seguindo uma matriz avaliativa composta pelos critérios expostos na etapa 2; 
  2. Avaliação por parte da equipe e diretoria do Instituto Localiza; 
  3. Avaliação e validação pelo conselho de administração do Instituto Localiza. 

 

Acompanhamento 

O acompanhamento dos projetos selecionados pelo Instituto Localiza acontece em dois momentos: mensalmente, com o acompanhamento de atividades, e trimestralmente, com um processo de prestação de contas financeiras. 

No âmbito das atividades, as organizações apoiadas organizam um cronograma das ações previstas para cada mês e, mensalmente, enviam um relatório simplificado de informe, apontando, entre o que estava previsto, o que foi realmente realizado. 

Todo esse processo é feito pela equipe de analistas de projetos do Instituto, que, além de acompanhar o andamento dos projetos com reuniões virtuais – já que o Instituto está sediado em Belo Horizonte (MG) e os projetos estão espalhados pelo Brasil –, solicitam fotos e vídeos para apoiar na divulgação e articulação das iniciativas. Já os relatórios trimestrais de prestação de contas são acompanhados por uma consultoria externa por conta do volume da documentação. 

 

Avaliando um projeto 

O relatório que deve ser preenchido ao final do projeto conta com uma análise dos indicadores usados pelo Instituto Localiza. Ao mesmo tempo que são utilizados critérios tidos como mais tradicionais, como número de jovens alcançados(as), jovens formados(as), carga horária de capacitação, avaliação do programa pelos(as) jovens e número de jovens já conectados(as) com uma atividade produtiva, o Instituto Localiza também utiliza outras formas de medir o resultado de um projeto, com indicadores qualitativos. 

Nesse âmbito, por exemplo, é avaliado: 

– Se a jornada melhorou questões de auto-estima dos(as) jovens; 

– Se ele(a) conseguiu ampliar sua rede de relacionamento; 

– Se o(a) jovem compreendeu o sentido de coletividade; 

– Se aqueles(as) fora da educação formal se sentiram inspirados(as) a voltar a estudar; entre outros. 

 

APRENDIZADOS

O Instituto Localiza conta, desde seu ponto de partida, com algumas particularidades, como o fato de ter sido criado em meio à maior emergência sanitária global da história contemporânea. Desde o lançamento oficial do Instituto, alguns aprendizados foram reunidos nesses dois anos. 

 

Apoios externos: compreender que, a depender do tamanho dos processos, é necessário contar com apoios externos, como de uma consultoria, que ajudou o Instituto Localiza a afinar alguns procedimentos, principalmente relacionados à prestação de contas financeiras por parte das organizações apoiadas. 

Apoio além do financeiro: se em 2021 o Instituto Localiza havia definido que atuaria apenas com o repasse de recursos financeiros como forma de apoio às organizações da sociedade civil, em 2022 passa a oferecer uma capacitação técnica às organizações apoiadas, compreendendo a importância da formação administrativa financeira, capacitação em processos de captação de recursos, prestação de contas e comunicação, por exemplo, de forma a apoiar também a gestão das instituições. 

Envolver os jovens nos processos: o Instituto Localiza incentiva que as organizações façam processos periódicos de escuta com os(as) atendidos(as) e envolve os(as) jovens em seus próprios processos, como o caso do encontro de organizações apoiadas, realizado em setembro de 2023, que contou não só com representantes das organizações, mas também com jovens atendidos(as). 

Apoio continuado: depois do término do apoio dos projetos selecionados no primeiro edital do Instituto Localiza, a organização estabeleceu diálogos de repactuação com diversas iniciativas, visando a continuidade da parceria, por entender que desafios complexos são endereçados no longo prazo. Nesse sentido, reforçar a importância de um trabalho continuado ainda se mostra como um desafio, diante de ações, por vezes, pontuais. 

Considerar expertise das organizações: conectada à escolha pelo modo de atuação grantmaker, o Instituto estabelece conversas periódicas com as organizações apoiadas para compreender a melhor forma de parceria entre apoiadora e apoiadas. 

Local e demanda: mais do que atuar necessariamente onde a mantenedora tem unidades, o Instituto Localiza compreende a importância de apoiar projetos onde está a maior demanda por desenvolvimento e transformação dos(as) jovens e onde se deseja fazer a diferença.