Desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil: reflexões sobre uma jornada que vive enquanto a organização existir

 5 de junho de 2023 
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Por Ana Biglione e Erika Sanchez Saez

Em agosto de 2022 o Instituto ACP realizou um encontro presencial de dois dias com lideranças e profissionais de gestão das organizações apoiadas. Aproximadamente 45 pessoas de 14 organizações estiveram presentes. Este texto é fruto da vontade de compartilhar um pouco do que brotou em nós a partir desta vivência.

Se estivermos dispostos a aceitar o desafio de nos tornarmos inteiros, não podemos abraçá-lo sozinhos – pelo menos, não por muito tempo: precisamos de relacionamentos confiáveis para nos sustentar, de tenazes comunidades de apoio para sustentar a jornada em direção a uma vida não dividida“.

Parker J. Palmer

Tinha tudo pra não ser. Ou para estarmos divididos.

Dois dias de encontro presencial, em ano eleitoral. Duas ou três pessoas de cada organização, numa área verde, em Parelheiros, periferia de São Paulo. Um chamado feito pelo financiador às organizações apoiadas. O mote? Olhar para a jornada de apoio vivida até aqui. Celebrar também o encerramento do primeiro grupo de organizações que finalizaram o ciclo de 3 anos e aprumar os próximos. E ampliar os vínculos desta chamada comunidade de aprendizagem, que até então só se conhecia virtualmente.

As ousadias do encontro moraram nos detalhes. O local escolhido permitia que um grupo de quase cinquenta pessoas – lideranças e profissionais de gestão das organizações – sentassem em roda. No centro, um arranjo de flores e uma vela. Não havia crachás e perguntar (e esquecer) os nomes era parte do processo de se manter conectado, presente. De noite, festa na fogueira. Em uma das manhãs, apresentações contando aprendizados. Em outra, o compartilhar de histórias de vida que nos levaram até ali. Sem palestrantes e sem palco, o show era de todas as pessoas presentes. Do espontâneo brotou poesia, manifesto e uma agenda a ser pautada.

Foi assim que foi. Com seriedade e descontração. Com profissionalismo e humanidade. Celebrando conquistas e olhando com coragem para as faltas.

As trocas e os aprendizados que aconteceram nesse encontro foram tantos, que deu vontade de registrar e compartilhar alguns deles, com a intenção de nos provocar e seguir aprendendo juntos.

 

RELAÇÃO ENTRE DOADORES E ORGANIZAÇÕES QUE RECEBEM OS RECURSOS: É POSSÍVEL SER VERDADEIRAMENTE PRÓXIMO E PARCEIRO?

Estabelecer uma relação próxima com as organizações que apoia é o desejo de muitos doadores. O Instituto ACP tem um portfólio pequeno de organizações apoiadas – 14 em 2022 – e esse é um elemento importante, que permite ter tempo de cultivar relações mais profundas com cada uma delas. Ainda assim, sempre que falamos de relação, isso depende dos dois lados – nesse caso, quem faz a doação e quem a recebe.

Parece haver uma tendência, já quase intrínseca à filantropia institucional, da relação entre doador-apoiado se estabelecer apenas de forma a cumprir exigências e apresentar resultados do apoio realizado. Quem recebe os recursos tende a querer aparecer “bem na foto”, o que costuma também agradar a quem doa, que então pode sentir que está alcançando os bons resultados que deseja com a sua doação. Os gestores têm boas notícias para levar aos seus Conselhos e demais doadores, e todos ficam felizes. Mas qual o espaço real de aprendizado quando uma relação assim se estabelece?

Nossa experiência na Comunidade de Aprendizagem do Instituto ACP, bem como sua prática de doação, tem sido a de construir junto com as organizações um espaço de aprendizagem para ambos os lados. A premissa é que o destino dos recursos doados são definidos pelas próprias organizações a partir de uma diretriz chave: que sejam usados em iniciativas que são parte de um plano de desenvolvimento e fortalecimento institucional. O plano pode (sabemos que irá) mudar ao longo dos 3 anos de parceria. Uma relação dessa ordem, em primeira instância, pede confiança. Mas confiança não se pede, nem se pré-estabelece: se constrói. Para além de uma das partes envolvidas ter os recursos e a outra estar recebendo, é preciso encontrar este espaço onde se pode olhar conjuntamente para o que se deseja, inclusive aceitando e acolhendo as fragilidades e desafios do caminho.

Em um processo de doação, também precisamos reconhecer, o tempo todo, que é a organização apoiada que está à frente da caminhada, logo é ela quem acaba mais exposta e, portanto, quem também deve ser mais cuidada. Se, de algum modo, ela sentir que o apoio financeiro pode ser descontinuado (por falhas ou mudanças de rota), ela irá evitar ao máximo falar sobre seus tropeços ou dúvidas. Então cabe aos financiadores dar o primeiro passo: afirmar que a parceria – pelo tempo combinado –  não está em jogo. E que ajustes não são um problema, desde que se possa conversar sobre eles, aprender juntos.

Será que nós, doadores ou gestores de organizações doadoras, somos mesmo capazes de fazer isso? De dar as mãos e acolher erros? De ver um recurso que doamos ser usado para algo que não “deu certo”? Qual lente temos que usar para conseguir ver valor em situações assim? Onde está o ganho daquilo que muda de rota e é refeito? Somos realmente capazes de acreditar que errar é parte do processo e também gera aprendizado?

Essa transparência da gente ter revisto e mudado (o que tinha sido planejado) e ir se adequando, pensando no desenvolvimento institucional, é o que foi um ganho muito importante dentro dessa parceria: poder ter essa transparência” (profissional de organização apoiada pelo IACP).

Talvez uma relação transparente seja o ganho. E que, com ela, se abram possibilidades para criarmos espaços de reflexão que fazem diferença tanto para a organização apoiada quanto para a causa na qual ela atua. Pit-stops (nome que usamos para as nossas reuniões bianuais de acompanhamento), conversas reflexivas, processos facilitados de troca de conhecimento como espaços de reflexão mais do que de avaliação. Ou melhor, de avaliar também, desde que de forma reflexiva e não punitiva ou julgadora.

Há que tirar do caminho a expectativa de que a organização faça tudo certo, mas sim que ela se abra para aprender, de forma honesta e dedicada. Assim como nós, doadores, também precisamos estar abertos para reconhecer nossos erros e fazer ajustes, reconhecer que também não temos as respostas, afinal, a transformação socioambiental que move todo o campo é muito maior que todos nós, é extremamente viva e complexa, e precisamos reconhecer isso conjuntamente se quisermos realmente avançar.

Ao contrário do que se imaginaria, ao sair do lugar avaliativo que os financiadores normalmente ocupam, temos aberto espaço para que as próprias organizações se tornem mais críticas sobre seu fazer, aprimorando e se empoderando ainda mais de sua própria atuação. A liberdade de olhar para os erros e fazer ajustes permite que o compromisso com a transformação social esteja no centro e não corra o risco de ser esquecida por receio de assumir erros, colocando-os debaixo do tapete (junto com possíveis novas – e melhores – ideias de como seguir).

O financiador normalmente fica no lugar de avaliador. Mas a (própria) organização também precisa se avaliar. Nosso comprometimento é o mesmo com vocês e com outros financiadores, mas a relação traz liberdade para tudo, inclusive (de conversar) sobre os erros” (profissional de organização apoiada pelo IACP).

É nesse sentido que a liberdade de atuação da organização tem nos parecido tanto premissa quanto resultado.

Ao mesmo tempo, um dos desafios que percebemos que uma relação mais próxima traz é, justamente, o tamanho. Como encontrar o tamanho apropriado para manter uma relação de qualidade e profunda com cada organização apoiada?

Foi fundamental ter tempo de abrir conversas longas, ouvir com atenção e até me permitir me meter onde não fui chamada (…). Qual a equação no Instituto ACP para que a gente sempre tenha, principalmente das lideranças, mas também em todo espaço e equipe, o tempo para uma troca que seja de fato profunda e genuína?”(profissional do IACP).

A qualidade da relação parece tanto pressupor tempo, como também a dedicação de pessoas com maturidade profissional para se dedicar a elas. Parece haver uma escolha entre quantidade versus profundidade, mas, na prática, o que está sendo pedido é que reconheçamos nossas próprias limitações, assim como as potencialidades. Somos capazes de pensar em escala como algo que acontece em rede e não necessariamente como algo que podemos controlar? Ou ainda como algo que diga respeito tanto à profundidade da transformação quanto à quantidade de pessoas ou questões endereçadas? Quais paradigmas estamos mantendo vivos ao abrir mão de relações mais profundas e verdadeiras?

É um desafio encontrar o valor do seu tamanho, frente à enormidade dos desafios atuais. Ao mesmo tempo, não reconhecê-lo é desperdiçar seu real potencial.

 

DOAÇÃO PARA FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL | TABU, MITO OU REALIDADE?

Está nos congressos gifes, fóruns idis, nas alliances, wings, abcerres, redes de filantropia para a justiça social, movimentos por culturas de doação. Está no Censo GIFE: o fortalecimento institucional da sociedade civil é a quarta área temática de atuação mais importante para os respondentes da pesquisa e 66% afirmam atuar com esse tema. Está no discurso e até mesmo no número. Mas quando olhamos para a prática e a realidade, elas nos revelam que ainda temos muito o que avançar.

Em uma de nossas conversas no encontro, por exemplo, uma organização branca, de São Paulo, com 15 anos de história e referência na sua agenda de atuação, relata que ao longo da sua história recebeu apenas 3 apoios institucionais [1] dos seus mais de 60 doadores. Dá pra imaginar então como será a realidade de organizações de base e periféricas Brasil afora?

O Instituto ACP escolheu o desenvolvimento e o fortalecimento institucional como causa, e tem dedicado recursos financeiros e não financeiros para apoiar projetos que fazem parte dos planos de desenvolvimento e fortalecimento institucional das organizações que apoia. Temos percebido justamente que esse recurso que apoia o que muitos não desejam apoiar também tem feito muita diferença na nossa relação com as organizações. Tendo muitas vezes um orçamento menor do que as próprias organizações que apoiamos, com muita frequência ouvimos sobre a relevância desse apoio e o tipo de relação que estabelecemos, em um tema muito árido de se conseguir doação, onde aspectos burocráticos e relações desiguais de poder tem se mantido como regra.

Ao olharmos mais profundamente para o jeito que o campo filantrópico brasileiro apoia o desenvolvimento institucional, parece que ainda encontramos uma série de desafios fundamentados por mitos arraigados em padrões do nosso tempo e que podem dificultar uma real contribuição às organizações. Nascem questionamentos: como esse apoio tem sido feito? Que olhar sobre desenvolvimento institucional tem predominado? O que ainda precisa mudar?

Como forma de provocar essa conversa, elencamos alguns dos mitos que identificamos:

Mito 1: oferecer apenas capacitações e formações é suficiente para promover o desenvolvimento ou fortalecimento institucional

Cenário: A organização que recebe meu apoio é muito dependente dele, então vou oferecer a ela um curso de captação de recursos. A formação indica que ela melhore a sua comunicação, crie um site, alimente as suas redes sociais, faça uma teoria da mudança, melhora suas habilidades de formular projetos, contrate um profissional de captação de recursos, tenha um relatório anual, seja transparente, crie estratégias de relacionamento com os seus doadores etc. Pronto, agora ela já sabe tudo que precisa ser feito, já dei a minha contribuição para o seu desenvolvimento. No entanto, a ‘dependência’ continua. Será que ela não está fazendo o que aprendeu na formação?

Ainda que o conhecimento seja muito necessário, implementar as estratégias e ideias que cada organização precisa tem custo financeiro e é preciso dinheiro para pagar a conta. Por isso, fazem-se tão necessárias as doações de recursos financeiros para concretizar os movimentos identificados. O conhecimento é significativo quando complementado por recursos que viabilizem sua implementação, do contrário costuma ser desperdiçado ou ainda gerar uma sensação de angústia e frustração de quem sabe o que poderia ser feito, mas não tem os meios para colocá-lo em prática.

Mito 2: bons consultores do mercado vão resolver os problemas de gestão das organizações

Cenário: Já entendi que preciso apoiar com dinheiro, então vou contratar uma consultoria – experiente no mercado tradicional e escolhida por mim – boa em gestão para ‘arrumar a casa’ da organização que eu apoio. O time de consultores, que conhece bem a gestão de empresas, mas nem tanto do campo socioambiental, entrega um PDF diagramado e lindo com todos os processos de gestão que precisam ser seguidos. O relatório acaba na gaveta e a minha doação para desenvolvimento institucional apoiando consultorias renomadas.

Profissionais consultores são muitas vezes necessários e podem fazer uma diferença enorme, mas é preciso que a organização lidere, dê o tom e a direção do trabalho. A decisão final da escolha dos profissionais deve ser da organização, bem como é importante que os consultores tenham afinidade com a organização e experiência no terceiro setor. Além disso, é importante que o conhecimento necessário para implementar qualquer processo exista ou seja desenvolvido dentro da organização apoiada durante o processo, para que possa se manter após o término da consultoria, o que demanda tempo e dedicação da própria equipe da organização (que precisa estar interessada e disponível), bem como tempo e dedicação dos consultores.

Mito 3: vamos transformar essa organização em 1 ano

Cenário: Pedi um plano de desenvolvimento institucional para o próximo ano para a organização que apoio e estou disposto a doar pra ele. Será meu ano de ‘faseout’, antes de deixar de apoiá-la. O plano tem muitos aspectos que precisam ser cuidados, identificados em um profundo diagnóstico.

É preciso reconhecer o tempo e as necessidades das organizações apoiadas tanto quanto das que apoiam (doam), assim como o fato de que mudanças organizacionais levam tempo. Na maioria das vezes, muito mais que um ano ou dois. Da mesma forma, é preciso assumir o fato de que desenvolvimento e fortalecimento institucional é um processo contínuo de aprimoramento da organização e da sua atuação no mundo. É para sempre, ou melhor, para toda a vida da organização e, se um apoiador deixa de apoiar, ela precisará de outro que o faça.

Mito 4: pagar salário não é desenvolvimento institucional

Cenário: Doei e desapeguei. Se eu doei esse dinheiro, ele não é mais meu. Mas tem como esse recurso não ser usado para folha de pagamentos de pessoal? Ou para a lista fixa de gastos mensais? Me parece pouco inovador… que diferença isso pode fazer?

Toda. Enquanto o robô que capta recursos, que cuida das pessoas e projetos não for inventado, é preciso reconhecer que o maior ativo de qualquer organização da sociedade civil são as pessoas, e que se desejamos desenvolver uma habilidade em uma organização, na imensa maioria dos casos, a melhor forma de fazê-lo será trazer para dentro alguém que possua essa habilidade e a dissemine internamente. Doar para o fortalecimento institucional é também doar para remunerar, valorizar, investir em pessoas e sustentar processos que são pouco visíveis, mas absolutamente essenciais.

 

O DESAFIO REAL DE LIDAR COM TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: O TEMPO QUE O TEMPO TEM

Movimento social é para vida. O que a gente faz é muito grande” (profissional de organização apoiada pelo IACP).

Não é novidade para ninguém que os desafios socioambientais que enfrentamos hoje são imensos. Ainda assim, ou talvez justamente por isso, parece haver um combinado implícito na hora de pensar nossa atuação, reduzindo-os e fragmentando-os para poder lidarmos com eles em projetos de um, três ou cinco anos. Qual o tempo real de um processo de transformação? Como nossa atuação pode reconhecer sua contribuição, sem perder de vista o real tamanho do desafio?

Imersos em uma cultura de aceleração, a corrida contra o tempo das iniciativas que atuam com transformação ainda acumula um elemento a mais: a salvação do mundo, do outro. A urgência da necessidade daqueles que dependem do nosso trabalho.

É verdade que estamos vivendo no limite. O clima não pode esperar. A fome não pode esperar. A violência não pode esperar. Mas a urgência que se impõe acaba muitas vezes distorcendo a própria possibilidade de transformação, gerando tamanha sobrecarga e pressão que é impossível seguir, sustentar a atuação pelo tempo necessário. Equipes exaustas e pouca atenção ao que acontece na vida institucional das iniciativas, sempre com foco na sua atuação no mundo, no seu fazer, como se a realidade externa fosse apartada da interna.

É como se o mundo todo dependesse da gente. A gente mesmo se coloca nesse lugar” (profissional de organização apoiada pelo IACP).

É muito comum que se crie uma cobrança permanente por excelência, justificável pela necessidade do mundo. Não se pode errar, nem descansar, nem desanimar. Será isso humanamente possível? Ou para isso é preciso se desumanizar?

Em prol das urgências, o campo como um todo vai, sem perceber, consolidando uma tendência de objetificar as pessoas. Tratá-las como meio, como instrumento, para alcançarmos o resultado esperado. A pressão recebida por parte dos doadores, vai sendo viralizada, entre equipe das organizações e também com seu público de atuação. Paulo Freire tem uma provocação profunda sobre essa questão, quando afirma que “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.”. Será que enquanto campo, estamos nos tornando ou podemos nos tornar nossos próprios opressores? Será que estamos deixando de construir espaços que nos libertem rumo a novos paradigmas de relação?

A urgência e a aceleração certamente não são questões específicas do nosso campo, mas sim transversal à sociedade atual, já debatida por diversos autores como Byung-Chul Han que traz a ideia de sociedade do cansaço: uma sociedade hiperativa que, na verdade, é hiper passiva, porque não se permite mais pensar e então apenas reproduz. Ou Jonathan Crary, que traz à consciência o modelo de trabalho atual – 24/7 – que institui a disponibilidade absoluta – e, portanto, um estado de necessidades ininterruptas, sempre encorajadas e nunca aplacadas.

Mas, justamente nessa atuação que lida com transformações tão profundas, o espaço de reflexão não pode soar como luxo. Há de se diferenciar ausência de planejamento e visão, que geram ineficiência, da necessidade real de tempo para reflexão, auto-observação e colheita de aprendizados, tempos de pausa, que geram possíveis mudanças de rota, capacidade de adaptação, versatilidade e coerência. Ter tempo de respiro, de olhar para seu fazer, de cuidar de quem faz são atitudes que corroboram com a transformação desejada, e não ao contrário.

Para além disso, ainda há uma visão muito romantizada do setor, que se expressa em dois aspectos bem evidentes. O primeiro é a imagem idílica de que trabalhar com transformação social é trabalhar com pessoas maravilhosas, cuja motivação é sempre boa, num ambiente de puro cuidado e bem estar. A realidade, no entanto, é tão diversa quanto em qualquer outro setor e, pelo que acabamos de relatar, o ambiente pode também se tornar estressante.

O segundo é de que todos que trabalham nesse campo são (ou deveriam ser) voluntários, trabalham apenas pela causa, num mundo onde o dinheiro não importa e as contas se equilibram como mágica.

Um excesso de idealismo muitas vezes traz a sensação de que atuar profissionalmente neste campo e receber por este trabalho é algo pouco altruísta. Temos dificuldade de remunerar bem os profissionais do campo socioambiental. Como pagar bem aqueles que estão atuando em prol do outro ou de uma causa? E esse questionamento não é apenas de fora, mas também de dentro, dos próprios profissionais. Como posso receber bem sabendo que há tanto ainda por fazer? Qual o limite entre meu bem estar e egoísmo? Perguntas legítimas que não tem uma resposta óbvia, mas que são parte de uma construção saudável entre trabalho e bem viver, entre a coerência interna e externa de uma organização.

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É preciso que reconheçamos – de verdade, de corpo e alma, enquanto indivíduos e instituições, sejamos doadores ou donatários – que investir em desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil é investir em suas missões e, portanto, é investimento em transformação social dos mais relevantes. Talvez justamente por ser menos óbvio, faça-se um dos mais necessários para aqueles que decidem dispor recursos a serviço de um Brasil mais justo e de uma sociedade civil organizada cada vez mais fortalecida.

 

[1] Apoios institucionais são, neste caso, recursos para apoiar diretamente a organização e não aqueles atrelados a projetos específicos que ela executa.

 

Ana Biglione é consultora e facilitadora de processos de desenvolvimento organizacional e aprendizagem, principalmente no Brasil e América Latina. É fundadora e sócia da Noetá e da Philó, e atua em parceria com diversas pessoas e organizações, tais como a Proteus Initiative (África do Sul). Formada em Administração de Empresas pela FGV-SP, e Mestra em Prática Social Reflexiva pela Universidade Alanus, Alemanha. É consultora da Comunidade de Aprendizagem do Instituto ACP.

Erika Saez é atualmente diretora executiva do Instituto ACP e membro do Comitê Coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação. Formada em Comunicação Social e mestre em Cooperação, Globalização e Desenvolvimento. É autora do livro Filantropia Colaborativa, coautora do livro Cuidar de quem cuida do coletivo: desafios, provocações e caminhos para a gestão e o desenvolvimento de pessoas que atuam em organizações da sociedade civil. Organizou diversas publicações e podcasts sobre o campo da sociedade civil organizada e investimento social.

 

*Foto: Mariana Brunini