Iniciativas indicam caminhos e apontam tendências para fortalecer a cultura de doação no país
2 de abril de 2018Acesse.
É fato que o fortalecimento das organizações da sociedade civil (OSCs) é fundamental para a construção da democracia e a garantia de direitos, tão essenciais para população. Porém, um dos principais desafios hoje colocados às OSC para que continuem exercendo seu papel a longo prazo e de forma autônoma é a sua capacidade de sustentabilidade econômica. Além dos recursos públicos, o financiamento privado, isto é, angariado por meio de doações da própria sociedade constitui-se em uma das principais formas de sustentabilidade das OSC.
A Pesquisa Doação Brasil, realizada pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), identificou que o Brasil é um país doador. Estima-se que, em 2015, foram doados R$ 13,7 bilhões por pessoas físicas a organizações socioambientais. Porém, embora sejam números significativos, existe um enorme potencial para o fortalecimento da cultura de doação no Brasil e, portanto, do fomento às doações, tendo em vista que elas representam apenas 0,23% do PIB (Produto Interno Bruto).
Este potencial de doação também precisa ser ampliado a partir do apoio dos investidores sociais às organizações. O Censo GIFE identificou, porém, que do total investido em 2016 dos associados (R$ 2,9 bilhões), 60% foi investido em programas e ações próprios e 21% em doações e patrocínios de iniciativas de terceiros, o que equivale a R$ 595 milhões, 33% menos que em 2014. Por outro lado, 78% dos investidores sociais disseram que pretendem manter ou aumentar os níveis de apoio às OSCs, além de haver aumentado o número de organizações que apoiam organizações da sociedade civil por acreditar ser parte da finalidade do investimento social contribuir para seu fortalecimento e sustentabilidade (de 21% para 35%).
Para trazer estas discussões à tona e pensar em novas formas de expansão da doação, o X Congresso GIFE, a ser realizado de 4 a 6 de abril, em São Paulo, terá uma série de mesas a respeito do tema. No dia 05, às 9h, por exemplo, a discussão será sobre “Cultura de doação e grantmaking: superando barreiras para um país mais doador”, com a participação de Angela Dannemann, superintendente da Fundação Itaú Social; Rodrigo Alvarez, diretor da consultoria Mobiliza; Inês Mindlin Lafer, presidente do Instituto Betty e Jacob Lafer; com mediação de Georgia Pessoa, do Humanize.
A proposta será debater a respeito das estratégias que precisam ser implementadas e as novas formas de relacionamento entre OSC e potenciais investidores para que mais recursos cheguem ao campo.
Na opinião de Rodrigo Alvarez, as organizações precisam olhar com atenção o seu planejamento em captação de recursos e repensar sua forma de atuar e de se financiar. “Na forma de atuação, precisam parar de pensar em se manter e passar a pensar nos resultados reais que estão entregando para a sociedade, como resolver melhor os problemas sociais. No seu modelo de financiamento, precisam diversificar suas receitas e incorporar, quando fizer sentido, modalidades de geração de receita própria. Organizações com modalidades híbridas de receitas, desde que não comprometam seu propósito, tendem a ser mais fortes e autônomas”, acredita Alvarez.
Outro ponto fundamental apontado pelo especialista é a necessidade das OSCs abrirem mais canais de diálogo e participação com a sociedade, a fim de que as pessoas compreendam de fato a profundidade e complexidade dos problemas com os quais as organizações trabalham e, com isso, se motivem a apoiá-las. “Por isso a necessidade também de melhorar a comunicação das OSCs, tornando-a mais simples e mobilizadora. Para além disso, há os incentivos fiscais e a melhoria do ambiente regulatório”, destaca o diretor da Mobiliza.
Esse aspecto da comunicação, inclusive, será um dos pontos a serem abordados ao longo da mesa de debate por Inês Lafer. O Instituto, em parceria com outras organizações, tem se dedicado a compreender melhor quais aspectos são importantes de constarem nas mensagens e na comunicação das OSC para atingir um público potencial de doadores, com mais recursos para fazer doações de médio porte.
A ideia é pensar em estratégias de marketing e mobilização deste público que não é ainda acessado por grande parte das OSCs, fomentando, principalmente as doações de pessoas físicas para causas pouco apoiadas pelos investidores sociais, como política, direitos humanos etc.
“Falamos muito de cultura de doação, mas não de captação de recursos. Precisamos entender se a maneira como as OSC estão convocando as pessoas para doar é a forma correta. Esse ‘chamado’ precisa ser prazeroso e não uma cobrança. Precisamos pensar em como usar melhor as ferramentas de marketing para convencer possíveis doadores médios”, acredita Inês.
Hoje, o Instituto Betty e Jacob Lafer se configura com um grantmaking, e todo o recurso é direcionado para projetos desenvolvidos e executados por organizações da sociedade civil que são referência em causas ditas áridas, como justiça criminal, por exemplo.
“Escolhemos desde o início ser doadores e fortalecer as organizações para termos uma sociedade mais democrática, com diversidade de ideias e soluções. Assim, direcionamos os recursos para que elas possam desenvolver seus programas. Agora, cada investidor precisa entender a sua vocação e as expectativas dos mantenedores, seus objetivos etc., para definir se vão ser grantmaking ou também desenvolver seus projetos. Depende muito do que se quer fazer. A única questão é que não pode deixar de ser financiador porque desconfia dessa relação com as organizações da sociedade civil”, aponta.
Segundo Inês, o que colaborou neste relacionamento com as OSCs foi a escolha das parceiras, ou seja, o Instituto optou por apoiar organizações com capacidade institucional e estabeleceu um espaço de diálogo constante, de proximidade, para diminuir os possíveis ruídos. “O que ocorre, muitas vezes, é a linguagem entre investidores e organizações não ser a mesma. Muitos gestores que estão à frente desse relacionamento com as OSCs não têm tanta experiência no setor, e a lógica de gestão e o que espera de resultados é diferente. E é aí que, muitas vezes, ocorre o conflito. Precisamos superar e melhorar essa relação”, aponta.
A conversa sobre sustentabilidade, cultura de doação e democracia continua em outras atividades do Congresso GIFE. Também no dia 5, às 16h30, como parte da programação aberta ao público, Ana Valéria Araújo, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, e Eduardo Pannunzio, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estarão à frente do debate coletivo “Sustentabilidade e fortalecimento da sociedade civil”.
A proposta será discutir a importância de se criar um ambiente regulatório que facilite e fomente o financiamento das organizações por meio das doações. Os especialistas irão refletir sobre questões como: Quais os entraves regulatórios que as organizações enfrentam para ampliação dos seus recursos? Como as organizações têm lidado com esses desafios? Quais mudanças legislativas podem favorecer concretamente a sustentabilidade econômica das OSCs?
Na sequência, a partir das 18h30, mais dois painéis abertos ao público tratarão sobre o assunto. O primeiro focará em cultura de doação, com a proposta de apresentar iniciativas que, de modos diferentes e complementares, atuam no campo para promover o tema, visto que criam um ambiente mais favorável e motivante para que todos os brasileiros se envolvam com causas e queiram destinar recursos a elas.
Na ocasião, o IDIS irá apresentar o estudo da CAF (Charities Aid Foundation) sobre o potencial transformador da doação da classe média até 2030, e a Conectas irá compartilhar a pesquisa sobre o perfil social, demográfico e comportamental do doador médio brasileiro para causas de direitos humanos.
Já João Paulo Vergueiro, diretor da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), compartilhará com o público presente o andamento das discussões sobre a criação do Marco Bancário da Doação, que visa promover a normatização da doação junto ao sistema bancário para que a doação seja reconhecida como uma transação financeira distinta das transações comerciais.
No painel, estarão ainda presentes Nina Valentini, presidente do Movimento Arredondar, que irá falar sobre a iniciativa de arredondamento em plataforma de e-commerce, e Rodrigo Bueno, sócio-diretor da consultoria Estúdio Cais, irá apresentar o projeto Viralize, que busca conectar a audiência presente na internet, por meio de influenciadores digitais, a causas e projetos que precisam de financiamento.
Simultaneamente a este debate, outro painel irá discutir sobre gestão institucional e acesso a recursos, com a presença de iniciativas como a Captamos, Rede de Filantropia e Justiça Social e Nexo Investimento Social.
Como esquenta para o Congresso GIFE, uma série de webnars foram realizados trazendo temas que seriam desdobrados no evento. O debate “Doações filantrópicas: é preciso tributá-las” contou com Eduardo Pannunzio e Aline Viotto e trouxe dados sobre o ITCMD e seu funcionamento. Confira: