No momento que escrevemos este texto, mais de R$ 5,3 bilhões foram doados por empresas e indivíduos, nos últimos dois meses, para enfrentar os efeitos da pandemia no Brasil, de acordo com o Monitor das Doações COVID-19, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).
O valor é 63% superior ao total investido/doado por ano pelos associados do GIFE respondentes do Censo GIFE 2018 (R$ 3,25 bi), o que demonstra uma grande mobilização da filantropia brasileira para enfrentar os efeitos danosos da pandemia.
Diversas organizações da sociedade civil (OSCs), movimentos, coletivos e grupos não formalizados estão sendo fundamentais para conectar os recursos emergenciais às populações mais vulneráveis, demonstrando sua capilaridade e eficiência para fazer chegar a ajuda a quem realmente precisa. A grande maioria das OSCs, porém, já fragilizadas por sucessivas crises econômicas e de credibilidade, corre sérios riscos de saírem ainda mais fracas da crise ou até serem obrigadas a encerrar suas atividades.
A atenção ao curto prazo e à emergência, portanto, pode estar ocultando uma crise de médio prazo. Em outras palavras, a demanda para o trabalho estratégico das OSCs deve aumentar após a pandemia, mas não sabemos se elas terão recursos financeiros para manter suas equipes e sua estrutura fixa para enfrentar os efeitos nocivos posteriores à crise (aumento da desigualdade, aumento da violência doméstica, atraso na aprendizagem das crianças, precarização das condições de vida de famílias vulneráveis etc.).
O artigo publicado pela McKinsey & Company em 21/05/2020 – A transformative moment for philanthropy (“Um momento transformador para filantropia”), ainda que refletindo a realidade americana, pode trazer alguns indicativos para serem avaliados por investidores sociais brasileiros, catalisando transformações há muito preconizadas. O estudo indica 5 pontos de transformação:
- Reduzir o ônus para os grantees
- Acelerar o ritmo e volume de doações
- Parceria com outros doadores para ir mais longe e mais rápido
- Investir mais em comunidades locais
- Apoiar o setor público
Mas o que é válido destes pontos para nossa realidade brasileira? Como articular disponibilidade de recursos dos financiadores com capacidade de fazer chegar os recursos a quem mais precisa (das OSCs, movimentos, grupos e coletivos)? Do que as OSCs precisam neste momento e no momento pós pandemia?
Não são perguntas fáceis de serem respondidas.
Um grupo de diversas organizações intermediárias do campo social, com apoio do GIFE e de alguns de seus associados, está conduzindo um Estudo para avaliar os efeitos da Covid-19 nas OSCs brasileiras. O estudo, que pretende ser o mais abrangente desta natureza no Brasil, já conta com a participação de mais de 2.000 OSCs, amostra bastante representativa do setor brasileiro. Os resultados do Estudo estarão disponíveis na segunda quinzena de junho de 2020.
Inspirado pelas provocações do artigo da McKinsey e baseado em dados preliminares do Estudo citado acima, deixamos algumas questões aos investidores sociais brasileiros para reflexão:
- Reduzir o ônus para os grantees
- Para relações de grantmaking anteriores à Covid-19, os recursos que estavam provisionados com um determinado foco podem ser redirecionados para atender à pandemia? Existe espaço para alterações contratuais para incluir a mudança nas prioridades das OSCs neste momento?
- Como criar mais agilidade e flexibilidade para as doações sem perder a necessária accountability dos recursos repassados?
- Como os financiadores podem trocar informações sobre OSCs, de forma a diminuir custos transacionais (de auditorias e seleção de OSCs) e aumentar a chance de bons resultados?
- Acelerar o ritmo e volume de doações
- A pandemia ampliou os recursos investidos pela sua empresa, fundação ou instituto para impacto social?
- O momento atual abre espaço para ampliar o volume de recursos a serem doados no futuro?
- A pandemia abre espaço para se discutir novos modelos de transferência de recursos para a sociedade, ampliando estratégias de grantmaking, por exemplo?
- Há espaço para se discutir modelos de grantmaking mais flexíveis, apoiando equipe fixa e custos operacionais das OSCs, ao invés dos modelos tradicionais de apoio a projetos?
- Parceria com outros doadores para ir mais longe e mais rápido
- Como ampliar a integração de estratégias de grantmaking entre diferentes investidores sociais?
- Quais os desafios para integrar ações de grantmaking?
- Quais as boas práticas brasileiras de filantropia colaborativa? O que demonstram estas experiências?
- Investir mais em comunidades locais
- A pandemia mudou a percepção dos investidores sociais sobre a capacidade das OSCs? O que isso pode representar em relação às políticas de investimento social da sua empresa, fundação ou instituto?
- Quais os desafios para alinhar as visões dos investidores sociais brasileiros (de origem empresarial, em grande parte) com as visões das OSCs, movimentos, coletivos e grupos, especialmente os de base comunitária? Como facilitar este diálogo?
- Como ampliar a escuta e dar mais voz a grupos periféricos e tradicionalmente marginalizados (pobres, negros) no debate nacional sobre impacto social?
- Apoiar o setor público
- Como fomentar a integração entre a filantropia e o papel do Estado para atender aos efeitos de curto prazo (saúde e assistência social), mas também a médio prazo?
- Como o momento de polarização nacional está dificultando o trabalho da filantropia com o poder público e como neutralizar os efeitos desta polarização para fazer avançar uma agenda de transformação social (ou no mínimo evitar retrocessos)?
Talvez a Covid-19 seja o momento que precisávamos para fazer avançar, de forma mais rápida, as pautas e temas necessários para amadurecer a filantropia brasileira.