Uma rubrica chamada crise

 19 de junho de 2020 
blog
Por Fabio Deboni

A filantropia parece engrossar sua musculatura
em tempos de crise humanitária
ótimo!
parece não fugir da sua missão

mobiliza pessoas e recursos
se amplifica em rede
e tenta deixar de lado divergências menores
pra fazer chegar doações, donativos e recursos
na ponta
em comunidades e
em organizações da sociedade civil
que estejam em condições de maior vulnerabilidade

parafraseando o poeta
‘todo artista tem que ir onde o povo está’

mas
(sempre há senões)
como seguir canalizando esses apoios
sem sangrar na própria carne?

como prosseguir fazendo pontes
e fazendo doações, donativos e recursos chegarem na ponta
sem que as organizações que fazem essa intermediação
se enfraqueçam neste processo?

afinal, elas também precisam ser apoiadas
e também padecem de desafios crônicos de sustentabilidade

aceitamos no setor fundacional
mobilizar recursos que cheguem em sua totalidade
na ponta
mas
conseguimos convencer nossos boards
a também financiar o lado institucional destas organizações intermediárias?

isso passa pelo debate de grantmaking
que vira e mexe nos provoca aqui e acolá

sem essas organizações
que intermediam relações com a ponta
com toda sua capilaridade e redes de confiança
com pessoas e comunidades
nós conseguiríamos fazer chegar na ponta
todas as doações, donativos e apoios
de forma eficiente e eficaz?

em outras palavras
o que seria de nós, institutos e fundações
sem essa turma?

essa crise em que estamos todos inseridos
deveria nos fazer discutir também
nosso modus operandi como investimento social privado
que
tem preferido executar seus próprios projetos
do que em apoiar (pra valer)
organizações da sociedade civil

deveríamos repensar
nos tais overheads
rubricas de salários, taxas administrativas
e parar de nos enganarmos
como rubricas enjambradas
nos projetos destes parceiros

afinal, nossos salários e estruturas institucionais
já estão minimamente assegurados
mas os destas organizações não
a crise deveria também nos fazer refletir
seriamente se todo o pacote de compliance
ao qual estamos inseridos
é de fato
um meio necessário para fins justos, éticos e idôneos

não, amigo(a) leitor(a)
não estou defendendo o descontrole total
dos recursos e da sua gestão

mas tenho me perguntado
será que não temos pesado demais a mão do
combo do compliance?

poderíamos também aproveitar para debater
questões estruturantes que sustentam nossa sociedade
os lucros abusivos de grandes bancos
o não debate sobre taxação de grandes fortunas
o papel do Estado como indutor de bem-estar social (ou não)
além do nosso próprio papel
como setor fundacional

por vezes com mais cara corporativa
do que de sociedade civil

sim, há muito avanço já construído no setor
evoluímos em gestão, em compreensão, em repertórios
mas ainda estamos distantes
de uma das nossas possíveis missões como setor
que é o de fortalecimento da sociedade civil

de suas organizações
de suas distintas formas de expressão
com ou sem cnpj
de dentro e de fora do eixo
conhecidas ou desconhecidas
com ou sem modelo de negócio
e com todas as suas (nossas) fragilidades

tem-se dito tanto por aí que
‘há muitos tons de cinza’
em nossos modos de ‘fazer o bem’
de gerar impacto positivo
e seja lá o nome que quisermos usar

mas
será que essa diversidade de cores
sabores
sotaques
ruídos
e modos de fazer
têm repercutido
em nossas caixas de ferramenta do ISP?

deixemos um pouco de lado
nosso ímpeto de auto-defesa do nosso setor
e
aceitemos com humildade
nossas limitações como setor

estamos, como ISP
numa prateleira de privilégios
enquanto nossos targets
beneficiários
parceiros
fornecedores
e como quisermos chamar

estão numa situação
muito mais desafiadora que a nossa

antes, durante e depois desta crise

nada contra cestas básicas
ou donativos
mas o que elas precisam mesmo
é de recursos financeiros
o menos carimbado possível

Para saber mais

Por que executar os próprios programas? (GIFE)