Organizações refletem sobre sua atuação em segundo encontro da Rede Temática de Grantmaking
5 de novembro de 2018Acesse.
No dia 30 de outubro, a Rede Temática (RT) de Grantmaking realizou, na sede da FTD Educação, em São Paulo, seu segundo encontro.
Lançada em abril, durante o X Congresso GIFE (confira matéria aqui), com o objetivo de ampliar a prática do grantmaking e ser um lugar dedicado à troca de conhecimentos, saberes e modos de fazer, a RT teve seu primeiro encontro em julho para pensar coletivamente os modos de fazer grantmaking no Brasil e os desafios e oportunidades de atuação das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) no que se refere ao aprimoramento do acesso aos recursos disponíveis.
O segundo encontro, por sua vez, serviu para que as organizações presentes pudessem fazer uma reflexão e autocrítica sobre sua atuação e a relação com os receptores de apoio, seja ele financeiro ou técnico.
“O José Marcelo Zacchi, secretário-geral do GIFE, sempre nos fala sobre a importância de saber onde ‘emperra’ para organizações, institutos e fundações quando querem fazer grantmaking. Quais são os desafios? O que é difícil? Quais boas práticas podem ser compartilhadas? A RT surgiu para ser esse espaço de troca e construção de conhecimento. Na hora de fazer grantmaking, os institutos e fundações muitas vezes se veem sozinhos, não há tanto material produzido aqui no Brasil”, explica Karen Polaz, coordenadora de fomento e inovação do GIFE e responsável por ajudar os coordenadores da Rede (Fundação Lemann, Instituto Humanize e Instituto C&A) a organizarem as pautas, discussões e datas dos encontros.
A pauta do segundo encontro foi pensada a partir da sistematização das discussões do primeiro, onde os participantes expuseram o que as organizações associadas ao GIFE, muitas delas predominantemente doadoras, esperam dessa articulação em rede.
“O intuito dessa segunda atividade foi causar uma reflexão sobre como as instituições doadoras estão repassando recursos para que a gente identifique quais são as lacunas para o fortalecimento da OSCs, de forma que elas consigam de fato se fortalecer e estar ativas, ser provocadoras e propositivas de políticas públicas”, conta Natália Leme, responsável pela área de relações institucionais e parcerias do Instituto Humanize e uma das coordenadoras da RT.
Uma dinâmica foi preparada para o segundo encontro. Estavam presentes representantes da Fundação Arymax, Prosas, Itaú Social, SITAWI Finanças do Bem, Fundação Lemann, Instituto Clima e Sociedade, RaiaDrogasil, Instituto Samuel Klein, FTD Educação, Associação Samaritano, Instituto Humanize, Insper e Mattos Filho Advogados.
Quatro perguntas-chave guiaram o debate: 1. O nosso grantmaking está alinhado com os objetivos da nossa organização?; 2. Somos eficientes em nossos processos internos? Quanto nos custa fazer cada doação?; 3. Estamos nos comunicando de forma eficaz? e 4. As nossas doações estão estruturadas para serem bem-sucedidas?.
A dinâmica foi dividida em três perguntas, que seguiram a mesma estrutura: inicialmente os participantes pensavam individualmente sobre a proposta, depois dividiam suas percepções com colegas em pequenos grupos e em seguida cada mesa expunha uma síntese de sua discussão para o grupo todo.
Na primeira parte, as organizações foram convidadas a pensar em um ou mais resultados indesejados que envolvessem o seu processo de grantmaking. Os participantes levantaram pontos em comum sobre a relação entre financiador e financiado como a preocupação de não gerar dependência do recurso repassado – e, nesse sentido, apoiar a construção de um plano de sustentabilidade financeira -, e nem inequidade, ou seja, enquanto algumas organizações são aportadas por vários atores, outras realizam um bom trabalho, mas têm dificuldades em receber um único apoio.
Saber quanto do recurso realmente chega na ponta, garantir que o projeto mantenha critérios importantes para que a doação seja realizada, comunicação mais clara em editais, aumentar o leque de temas apoiados e alinhar expectativas do financiador e financiado foram outros elementos apontados pelo debate. A necessidade de transparência entre os envolvidos em uma relação de financiamento também foi destacada como um passo a ser obedecido para que a relação seja saudável para os dois lados.
Já para a segunda parte da dinâmica, as organizações precisaram se desafiar a pensar quais ações elas próprias realizam no seu dia-a-dia que acabam contribuindo para obter os resultados indesejados citados na primeira parte. Entre os pontos mencionados está a importância de uma construção em conjunto com os gerentes das organizações, apostar na conversa sobre grantmaking dentro das próprias instituições (o que alguns participantes apontaram que não acontece com regularidade atualmente), além de pensar em como fortalecer o setor das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) como um todo, e não limitar-se a apoiar temas específicos.
Apoiar projetos que apresentam outros financiadores, dar feedback a organizações e projetos não selecionados em um processo e determinar desde o começo por quanto tempo a organização vai receber o recurso também são passos que tornam a relação financiador-financiado mais saudável.
A terceira parte fechou a dinâmica com a proposta de pensar o que as organizações podem fazer para reduzir algumas dessas práticas prejudiciais. Manter um diálogo para além dos encontros presenciais da RT, usando o grupo como uma rede de apoio e consulta, além de instrumentalizar e incentivar o crescimento das organizações e também ouvir o que os próprios grantees têm a dizer sobre o processo de recebimento de apoio financeiro ou técnico são etapas que podem ajudar a construir um ambiente de grantmaking mais próspero no Brasil.
Cosme Bispo, analista de projetos da Fundação Lemann e um dos coordenadores da RT, trata o setor de duas formas: micro e macro. Com um olhar micro, o analista destaca a necessidade de as organizações apoiadoras terem um processo de grantmaking eficiente. “Ao final do dia, [o grantmaking] responde a boa parte do orçamento das organizações e ao modo como elas conseguem gerar valor para a sociedade, demonstrar suas metas estratégicas e entregar ações que as auxiliam nos seus objetivos.”
De maneira mais macro, o analista defende que organizações que executam o processo de grantmaking na posição de apoiadores precisam entender que têm uma responsabilidade cruzada no processo de consolidação do setor, fortalecendo o cenário brasileiro como um todo.
Segundo Cosme, é importante que os financiadores tenham uma visão clara da importância não só do apoio financeiro, mas também do técnico, o que contribui para o desenvolvimento das OSCs de uma maneira mais ampla. “É por isso que a questão de transparência, de ter uma determinação específica sobre o que você faz e não faz, deixa claro para os grantees quais expectativas podem ter sobre o processo de grantmaking.”
Em um contexto de pós-eleições e uma nova conjuntura política a partir de janeiro, o cenário para OSCs e grantmaking no Brasil ainda é incerto. Karen, Cosme e Natália concordam que é uma missão difícil prever como as coisas se darão no ano que vem quando o assunto é repasse financeiro e captação de recursos. Entretanto, concordam que, de alguma forma, o grantmaking, essencial para a sustentabilidade de organizações da sociedade civil, precisa continuar.
“Um desafio para 2019 é entender qual será o papel desses grandes institutos e fundações em um cenário que ainda não sabemos se poderá vir a ser de maior instabilidade para o campo do terceiro setor no Brasil”, argumenta Karen.
Cosme por sua vez, acredita que o Brasil possivelmente enfrentará um novo cenário em relação ao investimento social, ressaltando, portanto, a importância dos grantmakers se reunirem para conversar, trocar práticas e até mesmo focar em áreas de atuação que hoje têm menos recurso e que poderiam receber mais investimento para que prosperem. “Ainda não sabemos como esse novo cenário se desenhará, mas talvez apenas reforce a necessidade e importância de continuarmos discutindo e tematizando em conjunto, mas também executando e sendo propositivos.”
Já Natália ressalta que muitas temáticas que instituições do terceiro setor estão trabalhando terão grandes desafios daqui para frente. “Eu acho que é o momento de o terceiro setor estar cada vez mais unido, tanto as organizações doadoras quanto as organizações que recebem esses recursos. É um assunto sensível, mas que precisa ser debatido.”