Prática de grantmaking não pode ser confundida com simples doação

14 de abril de 2003
ORGANIZAÇÕES RESPONSÁVEIS: GIFE

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Uma das tendências do terceiro setor no Brasil é a prática de grantmaking pelas organizações da sociedade civil e pelas empresas, ou seja, financiar projetos sociais já existentes em vez de criar novos e executá-los por conta própria. Apesar de ser um assunto novo por aqui, essa iniciativa é comum em outros países, cujas práticas estão sendo adaptadas à realidade brasileira.

“”O processo de grantmaking é longo e difícil, principalmente em países que não têm muita tradição neste movimento. Alguns têm programas bastante interessantes nesta área, como o Quênia e a Índia. Aqui no Brasil isso é algo novo, mas que começa a se tornar muito forte e já tem lições a dar””, diz a representante da Fundação Ford no Brasil, Ana Toni.

Ana explica que há escolhas a serem feitas para que a prática de grantmaking seja positiva. Como forma de auxiliar este processo, a Fundação Ford lançou recentemente o projeto Grantcraft – Practical Wisdom for Grantmakers. Desenvolvido para fortalecer os debates e as reflexões a respeito da prática de grantmaking, envolve guias, vídeos e estudos de caso com temas como: práticas e métodos que tornam as doações mais efetivas, dicas sobre relacionamento entre financiadores e financiados e lições sobre como organizar o trabalho para obter melhores resultados. Além disso, algumas apresentações, publicações e workshops desenvolvidos pela Fundação Ford nos últimos dez anos também foram disponibilizados. “”A doação não é um trabalho que pode ser feito sem profissionalismo””, explica Ana.

Prática – Uma das organizações brasileiras que já vem praticando o grantmaking é a Fundação Odebrecht. Na busca por uma prática de financiamento mais focada na missão e nos objetivos da entidade, ela optou, em 1997, por definir princípios, conceitos e critérios de atuação. “”A partir daí, articulamos com empresas, governo e instituições do terceiro setor parcerias para a implementação de programas novos ou já existentes, sempre tendo como operador das ações uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) criada ou identificada nesse processo””, explica o superintendente da organização, Maurício Medeiros.

Medeiros afirma que, ao assumir essa postura, não existem vantagens operacionais, mas a organização é levada a realizar projetos de vanguarda, sempre pautados no profissionalismo e na busca de impactos positivos para a comunidade. “”Com a crise financeira, as circunstâncias não são muito favoráveis para a captação de recursos, o que compromete o desenvolvimento de ações sociais. Mas nós acreditamos que sempre existem financiadores para bons projetos e estamos capacitando as organizações para elaborá-los e desenvolvê-los, para que não dependam exclusivamente do nosso aporte e caminhem rumo à sustentabilidade.””

Para a gerente de patrocínios do Instituto Telemar, Samara Werner, a crise financeira faz com que as empresas ganhem uma consciência ainda maior de seu papel no desenvolvimento do país. “”O que se vê hoje é o crescimento de iniciativas conjuntas entre Estado, iniciativa privada e as organizações da sociedade civil. As ONGs já realizam diversos projetos testados e bem-sucedidos, além de terem experiência e capacidade para propor iniciativas, mas muitas vezes não têm recursos suficientes. Construir parcerias promove uma união de esforços de pessoas e organizações com interesses comuns.””

O Instituto Telemar tem uma linha de financiamento a iniciativas que visem a criação de um modelo a ser replicado e busquem aproximar, capacitar e desenvolver comunidades por meio de tecnologias de comunicação. A avaliação de todos os projetos concorrentes ao Programa de Apoio, que abre inscrições em dezembro, é feita por uma comissão julgadora composta por especialistas que selecionam e destacam as melhores propostas.

Samara conta que a organização recebe os mais diversos projetos dos mais variados lugares do país. “”Dentro deste universo, acreditamos que a possibilidade de sucesso é muito grande. Para isso utilizamos critérios como avaliação de desempenho, impacto na comunidade, perspectiva de auto-sustentabilidade, diagnóstico prévio e potencial multiplicador, entre outros.””

Incentivo – O processo de financiamento da Fundação Avina baseia-se no apoio a líderes, não a projetos. “”Queremos apoiar a liderança porque a organização não é nada sem ela. Temos alguns critérios de seleção dos líderes e elaboramos o projeto em conjunto. É uma espécie de parceria””, explica Caroline da Costa, analista de projetos da representação de Brasília (DF).

Sempre que apóia um desses líderes, a Fundação oferece um valor a mais do que o necessário para desenvolver o projeto, mas que somente será entregue se o líder conseguir captar aquele mesmo valor junto à iniciativa privada brasileira. É o chamado Fundo Desafio.

“”É um prêmio para o líder que vai captar os recursos para o projeto, mas é também um esforço para que ele estimule a iniciativa privada brasileira a doar fundos para programas sociais””, conta Caroline. Com isso, além de incentivar a prática de grantmaking pelas organizações nacionais, pode contar com uma reserva de recursos para quando a parceria terminar.

Prêmio – Para identificar, sistematizar e divulgar uma série de soluções sociais criadas e colocadas em prática por diversas instituições espalhadas pelo país, a Fundação Banco do Brasil lançou, em 2001, o Prêmio Tecnologia Social.

“”Para que uma iniciativa possa ser reconhecida como tecnologia social, ela precisa ter baixo custo, fácil aplicabilidade e resultados comprovados na resolução de problemas que atinjam comunidades de baixa renda ou em situação de risco social””, explica o diretor de comunicação e marketing da fundação, José Humberto Vieira.

A cada dois anos são premiadas cinco tecnologias desenvolvidas por organizações da sociedade civil e uma realizada por empresa. Cada vencedor recebe R$ 50 mil para aprimorar e ampliar o projeto.

“”Ao ser reconhecida como tecnologia social, a iniciativa poderá ser utilizada por qualquer pessoa ou entidade interessada e o responsável se compromete a fornecer todas as informações para a replicação””, afirma Vieira.