A única opção é o maior número possível de pessoas, no mundo inteiro, assumir esse compromisso de fazer a coisa certa. Trata-se de uma revolução das mais positivas: contra tudo o que possa levar de volta a comportamentos originalmente responsáveis por colapsos ecológicos (e econômicos) a favor da corrida para um futuro que privilegie a melhoria da qualidade de vida das pessoas e do meio ambiente como o objetivo primário de todas as nossas ações (Sarah Parkin, 2014, p. 25)
Em 2014, o Instituto Jatobás publicou a tradução do livro Divergente Positivo: liderança em sustentabilidade em um mundo perverso, da escritora e ambientalista Sarah Parkin. Nele, a autora descreveu o que entende por divergência positiva em um mundo perverso e como é possível se posicionar frente aos desafios da sociedade moderna, garantindo um mundo mais justo, respeitando os seres vivos e o meio ambiente. Tal propósito está alinhado à essência do Instituto Jatobás, que tem como missão “influir positivamente para a expansão da consciência e para a ação, na construção de um caminho coletivo, solidário e sustentável”. E que procura promover, estimular mudanças necessárias para a construção deste novo horizonte.
Sarah Parkin apresentou a ideia de uma liderança em sustentabilidade, capaz de enfrentar os desafios a partir da divergência positiva que, em brevíssimas linhas, pode ser definida como a “pessoa que faz as coisas certas em prol da sustentabilidade, a despeito de estar rodeado por estruturas institucionais erradas, processos equivocados e pessoas teimosamente não cooperativas” (Parkin, 2014, p. 25). O Divergente Positivo, portanto, é aquela pessoa comprometida com a liderança para a sustentabilidade, que acredita no que faz, tem conhecimento, engaja e mobiliza, integra um bem maior, é positiva, propõe soluções e trabalha duro.
Em 2015, o Instituto Jatobás investiu na criação da Rede-Comunidade, cujo propósito é fomentar agentes de transformação – coletivos e lideranças – por meio de conhecimento, recursos financeiros e conexões para a construção conjunta de soluções inovadoras. A iniciativa atua a partir de três frentes:
- Apoio a grupos: cultivo de potências por meio de apoio e acompanhamento a grupos e coletivos com o objetivo de impulsionar seu impacto social;
- Animação de rede: estímulo e articulação à colaboração com o objetivo de facilitar o acesso a ampla rede de pessoas dentre parceiros, financiadores e organizações complementares;
- Gestão do Conhecimento: Sistematização de pensamentos e práticas sobre inovação social, por meio da realização de seminários, encontros e produção de conteúdo
Inicialmente, a mobilização foi feita por meio da própria rede de relacionamento e a oferta de apoio metodológico para coletivos e pessoas com um mesmo propósito e que buscassem a colaboração e a inovação em sua ação. Entendendo a necessidade de ampliar o escopo, passou-se a elaborar e lançar editais para seleção de grupos que recebiam apoio metodológico para formatação da proposta e inovação social e, por fim, recursos financeiros para o desenvolvimento do projeto.
Com o objetivo de ampliar a mobilização e aumentar o alcance de sua ação, as chamadas de projetos passaram a ser realizadas com parceiros institucionais e em territórios específicos. Em 2018, com a Fundação Tide Setubal, o foco territorial estava na Zona Leste de São Paulo e as ações foram realizadas dentro do Galpão ZL. Já em 2019, a partir de uma parceria com a Fundação Alphaville, Fundação ABH e Macambira Sociocultural, a ação voltou-se para a zona Sul de São Paulo, o Atuação Perifasul.
O objetivo deste texto é promover uma reflexão sobre aprendizados e desafios enfrentados quando investidores sociais se unem para financiar uma causa, um projeto ou uma rede, e está baseado na sistematização de uma apresentação realizada durante o 6° encontro da Rede Temática de Grantmaking do GIFE, no final de 2019.
Muitos são os desafios a serem superados para criar um ambiente colaborativo. Dentre eles:
- Aprender a compartilhar o sucesso é um grande desafio, principalmente para financiadores que nem sempre estão acostumados a abrir mão da “assinatura” do projeto. Nos espaços colaborativos, os resultados – sejam os positivos e negativos – são sempre coletivos
- Comunicar bem a iniciativa para os públicos e parceiros que podem não entender exatamente quais os papéis de cada uma das instituições
- Discutir e planejar bem como será o cofinanciamento. No caso aqui relatado, cada organização aportou o mesmo valor para o cofinanciamento. Mas, além dos recursos financeiros, é importante descrever e definir os recursos humanos e técnicos que serão disponibilizados para o projeto
- Conhecer bem os territórios e públicos que pretende apoiar, por meio da escuta ativa e pesquisando outras experiências, para criar linhas de fomento alinhadas às necessidades locais
- Estabelecer relações de confiança é um desafio, mas também uma grande oportunidade. Ao construir relações de confiança dentre um leque ampliado de parceiros, isso estende a capacidade de articulação e inserção no campo político do qual fazemos parte
- Ter um compromisso coletivo, entre financiadores, para que os projetos apoiados, ao final do processo, saiam fortalecidos e conectados a uma rede ampla de parceiros e apoiadores
Apesar dos desafios, trabalhar em rede e conectado é a melhor forma de:
1 – Ampliar o impacto de suas ações
- Otimiza e potencializa recursos – com as chamadas coletivas pode-se ampliar o valor fomentado por meio de matchfunding ou economizando em recursos técnicos e humanos. Com as equipes multidisciplinares e conectadas foi possível otimizar o trabalho, gerando responsabilidades compartilhadas
- Gera mais flexibilidade – com a ação em conjunto foi possível lidar melhor com a burocracia dos apoios financeiros. Algumas organizações têm mais flexibilidade para testar e experimentar
- Potencializa e fortalece as expertises de cada parceiro – no caso do Inova ZL: chamada de projetos 2019, a Fundação Tide Setubal ofereceu o espaço do Galpão ZL para a realização das atividades e todo seu potencial mobilizador e comunicador para melhor capilaridade do edital lançado. E a Rede-Comunidade ofereceu uma jornada de aprendizado e o acompanhamento direto com o desenvolvimento dos projetos apoiados. Foi criado um matchfunding para a premiação dos projetos selecionados
- Constrói processos mais alinhados com a realidade local – e com isso, dificulta as armadilhas de criar ações que não respondam à realidade em que está inserida, evitando assim gerar desconfortos e baixo nível de empatia. Em rede, você aprende, escuta e melhora, valorizando a diversidade e a riqueza cultural local. Além disso, para realizar editais que respondam melhor às necessidades dos projetos e dos territórios, é fundamental a parceria com organizações locais, uma vez que estas conhecem a realidade da região
- Amplia o impacto das organizações envolvidas – estar conectada com diferente atores relevantes do ecossistema e com maior poder de mobilização estende o alcance da ação, ampliando a possibilidade de impacto
- Compartilha os erros e amplia a capacidade de testar e experimentar
2 – Gerar aprendizados compartilhados que estimulam o desenvolvimento e maturidade das organizações envolvidas
- Assegurar que as ações conjuntas atendam os objetivos estratégicos de cada organização financiadora. O processo de planejamento pode ser intenso, muitas conversas antes de agir, mas isso é importante para alinhar bem as ações, já que são organizações com diferentes estratégias e propósitos
- Ter bem definido os papéis e responsabilidades é importante desde o início. Alinhar bem a governança e compromissos de cada organização envolvida. Um termo de cooperação bem estruturado, evita desconfortos e conflitos no futuro
- Trabalhar com parceiros requer a capacidade de ceder e ampliar os horizontes. Pode ser preciso abrir mão de alguns modelos e processos internos para construir algo novo
- Aprender a trabalhar em equipe multidisciplinar e mais diversa
A intenção foi compartilhar esta experiência para promover uma reflexão sobre o trabalho em rede e abrir um canal de diálogo com financiadores, mas também com financiados. Desde 2018, a Rede-Comunidade acompanha e apoia as discussões do grupo Potências Periféricas, uma rede de líderes periféricos que propõe espaços de diálogo entre coletivos, empreendedores, organizações sociais das periferias e financiadores, com o objetivo de promover trocas horizontais que rompam barreiras para o entendimento mútuo. E que vem alertando sobre a necessidade de se ter uma visão mais empática frente aos financiados e suas realidades, para construir melhores processos de seleção, comunicação e relacionamento.
Para conhecer melhor sobre a rede, sugiro a leitura do texto Novas narrativas para o investimento social e acesso a recursos nas periferias, publicado na Sinapse do GIFE e citado abaixo no espaço de dicas de leitura. O Potências Periféricas foi contemplado pelo 2º edital do Fundo BIS e, em breve, lançará um site e um guia sobre investimentos para as periferias. Além do Potências Periféricas, existem diversas iniciativas e redes de coletivos, lideranças e movimentos sociais. Antes de apoiar, é recomendável buscar conhecer e entender melhor as necessidades e demandas desses movimentos.
Esta reflexão é um convite para que outros institutos e fundações trabalhem mais articulados e em redes. Não somente com seus pares – outros investidores sociais privados -, mas também com organizações da sociedade civil, movimentos sociais e lideranças, criando uma rede fortalecida que busca um mesmo propósito, que é a garantia de um mundo mais justo, respeitando os seres vivos e o meio ambiente, e combatendo as desigualdades e na luta por direitos.
Por fim, agradeço imensamente aos parceiros aqui citados, que aceitaram este enorme desafio que é fazer junto, e que também estão trilhando este caminho de aprendizado e de confiança.
Conheça algumas iniciativas e redes
- Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP)
- Coalizão Negra por Direitos
- Feira Preta
- Fundo Brasil de Direitos Humanos
Dicas de leitura
O Divergente Positivo: Liderança em Sustentabilidade em um Mundo Perverso (Editora Peirópolis, 2014), por Sarah Parkin
Rede-Comunidade de Inovação Social: Abordagem metodológica e prática (Instituto Jatobás)
Novas narrativas para o investimento social e acesso a recursos nas periferias, (GIFE), por Cássio Aoqui e Diana Mendes dos Santos